A comida fala o tempo todo sobre tudo. A comida diz sobre saúde física e mental, estilo de vida, PIB, cultura, arte, amor, sexo.

Aqui você é convidado especial para pensar a comida em suas diferentes dimensões. Nossos alimentos são livros, filmes, peças teatrais, a comida de restaurantes, bares e cafeterias.

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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

VOLTEMOS AO FOGÃO Por Ana Lúcia Nejar

                                                                  



                                                               * Ana Lúcia Nejar


Mulheres, há tempos nós estamos apartadas da exclusividade das lides domésticas. Adotamos uma postura de combate no trabalho, exigimos os direitos, conquistamos a maioria deles, acionamos nossa cartilha do bom senso, começamos a abdicar de tarefas antes relegadas exclusivamente ao sexo feminino e deixamos que a velocidade tomasse conta de nossa casa e da nossa vida. O resultado disso está no sobrepeso de nossas crianças, na dificuldade do diálogo, na superexposição virtual gratuita da rotina nas redes sociais e um vazio enorme na mesa da sala.
Eu defendo que as mulheres busquem seus lugares ao sol, que garantam sua independência financeira, que se valham da premissa de que só a satisfação pessoal traz a felicidade completa. Mas será mesmo que não exageramos ao abandonar as panelas, a cozinha e oportunizar o enxame de pratos metálicos, sons do microondas e buzinas de telentregas em detrimento do cheiro gostoso de uma refeição caseira?
E nos alvoroçamos nos restaurantes, nos buffets a quilo, ingerindo mais que o necessário, ou nem nos espantamos com pais que entram com sacolas de fast foods em recintos gastronômicos mais elegantes, tudo para garantir que o pimpolho não atrapalhe os comensais.
Pense em quantas vezes nessa semana você almoçou ou jantou com sua família, formalmente, na mesa. Não vale em cima do computador, ou sentado na cama, equilibrando o prato no colo. Falo de sentar olhando nos olhos, falar da escola, do dia, de ouvir as ponderações do pai, da mãe, dos seus filhos, de narrar uma história divertida da vizinha (aliás, acho difícil alguém ainda pedir açúcar emprestado) e ainda receber um elogio pelo tempero da salada, pela maciez da carne, pela combinação dos legumes.
E a beleza que é estar cortando a cebola ouvindo o relato do seu pequeno sobre o gol que fez na educação física, ensiná-lo a preparar biscoitos, ou pedir ajuda do seu marido para sovar uma massa ou se lambuzar com o resto da ganache. Sem contar que estabelecemos a cumplicidade dos talheres e ganhamos pontos em etiqueta e bons modos, educação que não podemos exigir da escola ou dos professores.
Estamos petrificados com os sons da tevê e dos videogames que invariavelmente embalam a digestão. Entornando litros de refrigerante e calorias em excesso, matando uma ansiedade que não é fome, é carência.
Nós nos empanturramos pela absoluta falta de atenção do outro, desesperados por uma companhia para dividir o pão, e assumimos os graus mais altos do IMC, correndo sérios riscos de elevar as estatísticas de doenças cardíacas, contrariando os corpos esguios redesenhados em photoshop que pululam em todos os meios de comunicação. E com essa eletricidade, aceleramos a adição de peso ou, pior, a adesão à medicação ansiolítica sem acompanhamento médico.
É preciso o resgate da cozinha. E há deveres que não podem ser concedidos aos homens. Se quisermos realmente reestruturar os lares e alcançar maior contato com os familiares, a receita passa pela mulher na cozinha. Um espaço que vem diminuindo cada vez mais, que troca a mesa pela bancada, onde as cadeiras são substituídas por banquetas, colocadas lado a lado, reforçando a individualidade.
A orquestração de aromas depende do braço feminino. Não é à toa que as lembranças mais bonitas que temos envolvem alguma festa em família, com receitas das avós, ou que o dia da semana mais aguardado seja o domingo, geralmente regado a churrasco. Precisamos urgentemente parar de achar moderno ter como perfil não saber cozinhar ou dizer eu odeio panelas. Uma mulher que repete isso soterra e anula todas as conquistas de sua mãe, de sua avó, rompe a cultura do caderno, da caneta, do sangue. Vira de costas para sua própria vida. Está na hora de encarar o fogão. E de frente.



* Jornalista. Sou absolutamente fã incondicionada dos textos de Ana... são textos pulsantes... reveladoes de inteligência e sensiblidade... tão raros "hoje em dia"... obrigada pela oportunidade de poder publicar um deles, Ana! Esse texto tb foi publicado no jornal ZH (24/10/2010)

2 comentários:

  1. Que orgulho dessa minha amiga mestra das palavras e "bons gostos"! Acredito que esse "caldo tá virando", e hoje já vemos com frequência muitas mulheres encherem-se de orgulho por suas habilidades com as panelas, um estilo "vintage" de ser (rs). Tenho fé que o movimento vingará! Beijos pras duas!

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  2. Sininho, tu tinhas que conhecer a Ana... ela é simplesmente uma mulher sensacional... sensacional... tema a mesma fé que nos anima!!! Ela é da "turma"!!! risos... Teu filho tem a cara das tuas panelas... simplesmente o maximo... ESTAÇÕES SEMPRE... Beijos pra ti, amada!

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